segunda-feira, 15 de junho de 2009

Cia Os Dezequilibrados



Fundada em 1996, a cia. Os dezequilibrados é um dos grupos teatrais mais representativos do Rio de Janeiro. Com uma linguagem cênica contemporânea e arrojada, a companhia conquistou a crítica especializada e o público carioca, formando uma platéia cativa. Suas peças já receberam diversas indicações a prêmios
e participaram de uma série de turnês e festivais teatrais, circulando pelas regiões sudeste, sul, centro-oeste e nordeste. Dirigido por Ivan Sugahara e integrado pelos atores Ângela Câmara, Cristina Flores, José Karini, Letícia Isnard e Saulo Rodrigues, o grupo caracteriza-se pelo desenvolvimento de uma séria e elaborada pesquisa de linguagem nas esferas da encenação, da dramaturgia e da atuação.


Espetáculos da cia. Os dezequilibrados


UMA NOITE DE SADE (1998)

Baseado no gênero teatral francês Grand-Guignol e livremente inspirado na vida e obra do Marquês de Sade, o espetáculo marca a estréia d` Os dezequilibrados. A montagem busca resgatar o caráter de happening do Grand-Guignol. O gênero, nascido na passagem do século XIX para o século XX, provocava sensações intensas na platéia, explorando basicamente o medo. O objetivo era criar uma vivência conjunta entre ator e espectador. Mais do que assistir a um espetáculo, o público ia passar uma noitada no teatro.
A figura de Sade veio ao encontro da proposta. No espetáculo, cujo texto foi criado coletivamente pela companhia, o Marquês aparece em um banquete regado a vinho, perversão e filosofia. Logo no início, eram distribuídas frutas e taças de vinho para a platéia, dando o tom ao mesmo tempo festivo e macabro da montagem.
O espetáculo ficou em cartaz no Teatro da Casa da Gávea de julho a setembro de 1998. O espaço era usado como locação, uma vez que a ação da peça se passava em um teatro. A opção por um teatro pequeno reeditava o espírito guignolesco. A proximidade entre ator e espectador possibilitava uma concentração de energia e atenção, criando um ambiente claustrofóbico que favorecia a instalação da tensão e do suspense.


UM QUARTO DE CRIME E CASTIGO (1999)

Adaptado do romance Crime e Castigo de Fiodor Dostoievski, o espetáculo ficou em cartaz no Rio de Janeiro de outubro de 1999 a julho de 2000. O nome Um quarto de Crime e Castigo é uma alusão ao fato da peça representar apenas um pedaço, uma fração do romance, mas também se refere ao fato de se passar praticamente toda dentro de um quarto físico do livro, especificamente o quarto da personagem Sônia, uma prostituta.
Nesse espaço exíguo, o escritor russo promove um encontro entre ela e Raskolnikov, um assassino, e através da relação entre os dois personagens disseca um embate entre razão e fé. Realizando literalmente a proposta da adaptação, o espetáculo teve como peculiaridade o fato de não ter sido apresentado em um teatro mas em uma locação, um quarto de doze metros quadrados situado em um apartamento no bairro da Urca, onde somente oito espectadores por sessão tinham a oportunidade de penetrar a total intimidade dos personagens. Ao final de cada sessão era servido um chá e se estabelecia uma conversa informal entre os espectadores, os atores e o diretor.

BONITINHA, MAS ORDINÁRIA (2001)

Inicialmente prevista para ficar em cartaz por três meses, a montagem do texto de Nelson Rodrigues acabou ficando uma ano em cartaz no Rio de Janeiro. A peça aborda um conflito moral entre materialidade e espiritualidade, imanência e transcendência. Acompanhamos o drama de Edgard dividido entre o amor e um casamento por interesse. Podemos dizer que o texto busca resgatar uma certa humanidade perdida no ‘vale tudo’ da vida contemporânea.
As apresentações eram feitas para 30 espectadores na Casa da Matriz, conhecida casa de festas localizada em Botafogo. O fato de o espetáculo ser realizado de forma itinerante contribuiu para a concretização desta intenção do autor. Ao se aproximar dos atores ao longo do percurso, o público podia penetrar na intimidade de Edgard e se deixar envolver pelo seu drama. Surgia assim a chance do espectador perceber a sua atitude como uma possibilidade de transcender a mesquinharia diária e se aproximar de uma autenticidade humana.
A ação se deslocava por oito cômodos da casa, entre salas, quartos, pistas de dança, bar e até banheiro, assumindo a característica festiva do espaço. Eram distribuídos copos de cerveja, vinho, salgadinhos e máscaras para o público. Na verdade, a montagem transcendia a noção de espetáculo, tendo um caráter de celebração, de evento teatral.

1 (2001)

Peça-instalação apresentada para apenas um espectador por sessão, o espetáculo é uma adaptação do capítulo O Grande Inquisidor do romance Os Irmãos Karamázovi de Fiodor Dostoievski. O autor situa a ação na época da Inquisição e discute o fato do homem não saber ser livre e precisar ser guiado pela Igreja. A montagem fez uma releitura desta condição humana. Podemos dizer que hoje, de alguma forma, o poder da religião foi substituído pela indústria cultural.

O espetáculo buscava dialogar com as instalações plásticas em que o espectador penetra e interage com a obra. Esta característica obriga o espectador a ser fisicamente ativo e a se colocar no espaço, provocando nele um estado de alerta que o retira da passividade da cadeira confortável e segura. Ao se posicionar espacialmente, ele também se vê obrigado a se colocar dentro da ação e passa a vivenciar exposição semelhante à dos atores.

Ao todo, o espectador circulava por quatro ambientes: platéia, sala de TV, camarim e palco, e era brindado com refrigerante, batata frita, massagem e maquiagem. Com apenas quinze minutos de duração, eram realizadas oito sessões por dia.


VIDA O FILME (2002)

A peça aborda a questão da espetacularização da realidade e procura investigar situações onde se pode verificar pontos de interferência direta da ficção nos valores e conceitos da sociedade contemporânea, amplamente afetada pelo crescimento da indústria do entretenimento. Neste sentido - de procurar perceber como a construção de um parâmetro do real, nos dias de hoje, passa, muitas vezes, por uma percepção forjada a partir de conceitos adquiridos na esfera ficcional - a linguagem cinematográfica é matéria essencial na estruturação da dramaturgia e na composição dos personagens. Para tal, a montagem recorre à exibição de vídeos, slides e imagens ao vivo filmadas no local da apresentação.

Livremente inspirada no livro homônimo do jornalista Neal Gabler, a montagem procura evidenciar como os parâmetros estabelecidos pela indústria cultural influenciam nosso comportamento e nossos hábitos. Desta forma, expõe o modo como os filmes e programas de TV muitas vezes determinam não só o que vestimos e comemos, mas também nossa opinião, nosso juízo de valor, nossa sensibilidade, enfim, o modo como vivemos.

(HOW TO PLAY) THE LOVE GAMES (2003)

O espetáculo participou da mostra Nova Dramaturgia Carioca, que procurou congregar novos autores, tentando, assim, criar um panorama da dramaturgia contemporânea produzida no Rio de Janeiro. Na mesma ocasião, a peça foi publicada pela Editora Casa da Palavra.

Um homem dá uma entrevista coletiva perdoando seu próprio assassino. Essa situação, que estrutura a principal ação dramática da peça, é, em alguma medida, baseada no depoimento do criminoso Mark Chapman, assassino de John Lennon, que, ao pedir junto à justiça americana sua liberdade condicional, alegou que seria perdoado pela vítima. Lennon, Chapman, todas as circunstâncias do crime – entre elas, a questão da superexposição aos meios de comunicação e a ambição cega pela celebridade – e o romance Moby Dick, de Herman Melville, servem de material temático para o enredamento da trama do texto, que, essencialmente, busca tratar das obsessões humanas.

Com direção de Tomás Ribas, trata-se do único espetáculo da companhia não dirigido por Ivan Sugahara.

ASSASSINATO EM SÉRIE (2003)


A iniciativa de transpor para o palco o gênero policial surgiu como interesse para a companhia porque possibilitaria uma vertente de continuidade na sua busca de, através da recolocação espacial da cena, resgatar o público de uma recepção passiva e distanciada que a hegemonia do palco italiano moderno parece haver consolidado. Partindo do princípio que, nos romances e filmes de suspense, o espectador é instigado a tomar uma posição interativa diante da obra, procurando desvendá-la, Os dezequilibrados produziram o espetáculo Combinado em que um homicídio é literalmente investigado e solucionado pelo público.

Baseada no conto policial O Crime Quase Perfeito de Roberto Arlt e inspirada nos filmes noir, a peça é um misto de jogo de detetive e jantar. Os espectadores se sentam à mesa com os suspeitos do crime e ouvem seus depoimentos, podendo interrogá-los para chegar à conclusão do caso. Em meio à investigação, um combinado de comida japonesa é degustado por todos.

O êxito da experiência incentivou a companhia a aprofundar essa “investigação”, criando a trilogia Assassinato em Série na qual a peça Combinado figura como a primeira parte. Os mesmos personagens reaparecem nas tramas de Cena do Crime e Outro Combinado, que complementam a trilogia.


DILACERADO (2004)
O ato de perder é um fato consumado na vida. Perde-se o guarda-chuva, o ursinho de pelúcia, o ídolo do rock. Perdem-se as lembranças, o pai, a mãe, o amor, o ideal, o tempo. Perdemos um pouco de nós mesmos a cada dia, a cada nova extirpação. O espetáculo procura falar sobre essa espécie inevitável e tão comum de dor, o ato e o efeito da perda. Mas, fundamentalmente, fala do que fazemos com essa perda, de como lidamos com a ausência, o vazio.
A partir da observação do que a sociedade, de uma forma geral, faz para anestesiar o sentimento de perda, Os dezequilibrados decidiram tratar do dilaceramento que a perda provoca, e ao mesmo tempo, da possibilidade de transformação que ela oferece ao “perdedor”. A peça vai de encontro ao velho conceito de que “felicidade é não sofrer”, e faz uma crítica aos vários mecanismos que a sociedade desenvolve para fugir de qualquer vivência que provoque dor – mecanismos que acabam, mais adiante, comprometendo a continuidade sadia da vida.
Apoiando-se em uma estrutura que correlaciona linguagem documental – utilizando experiências reais dos integrantes da companhia – com cenas ficcionais, a peça procura enfatizar a importância de aprendermos a lidar com a morte de tudo o que nos cerca, incluindo nós mesmos. No espetáculo, o elenco faz depoimentos diretamente dirigidos ao público sobre suas vivências de perda. A força maior da montagem está no próprio ator e sua narrativa - na empatia estabelecida com o público, que compartilha com ele do sentimento de dor.

LADY LÁZARO (2005)

A peça aborda o fato de que a sociedade parece se interessar mais pela vida do artista do que por sua obra. A poetisa Sylvia Plath é um dos exemplos máximos dessa questão. Praticamente desconhecida em vida, seu suicídio aos trinta anos a tornou mundialmente famosa. O espetáculo se baseia em uma poema de Plath - Lady Lazarus, por sua vez espelhado no episódio bíblico da ressurreição de Lázaro. O poema descreve uma mulher que se suicida e renasce. A peça supõe a ressurreição de Sylvia Plath nos dias de hoje, quarenta anos depois do seu suicídio. O público, acomodado em seus lugares, aguarda o início da peça. A dramaturgia brinca com a suposição de que os espectadores iriam assistir a uma encenação tradicional sobre Sylvia Plath. Contudo, a atriz se atrasa para o espetáculo e em virtude disso, é exibido um vídeo para entreter o público enquanto ela não chega. No tom fantástico da montagem, esse vídeo é veiculado como se fosse ao vivo e as imagens captam Sylvia Plath ressuscitando no litoral brasileiro.
Sem entender o que está acontecendo, ela sai da praia e peregrina, atônita, até se deparar com o local da apresentação, que exibe um cartaz do espetáculo Lady Lázaro, inspirado nela mesma. O vídeo acompanha sua trajetória até a porta da sala, quando ela entra no recinto em carne e osso e é abordada pela assistente de direção, que a reconhece. Sylvia descobre então que sua tentativa de suicídio funcionou, que já se passaram mais de quarenta anos e que sua morte se projetou sobre sua obra de maneira indissociável, tendo ficado célebre por conta disso.


ÚLTIMOS REMORSOS ANTES DO ESQUECIMENTO (2007)

O texto do francês Jean-Luc Lagarce era inédito no Brasil e a sua encenação pela cia. Os dezequilibrados é a primeira montagem carioca do escritor, que morreu de Aids em 1995, aos 39 anos. Ainda pouco conhecido no Brasil, Lagarce é o dramaturgo contemporâneo francês mais encenado no mundo e o segundo autor mais montado na França.

A ação passa-se nos nossos dias, no campo, na casa onde no passado viveram Hélène, Paul e Pierre, e onde este último continua a viver. Os três formavam um triângulo amoroso. Acompanhados de Anne, mulher de Paul; Antoine, marido de Hélène; e Lise, filha de Antoine e Hélène; eles reencontram-se após um longo tempo para resolver o problema da casa que haviam comprado juntos anos antes. Esse é o ponto de partida para acertos de contas, mal entendidos, recordações nostálgicas e para encarar o presente. Como é que cada um negociou a passagem difícil das ilusões da juventude para os compromissos da idade adulta? Como se deve partilhar os bens? Como se partilha a herança de um passado morto? O que resta da utopia da juventude?

O texto de Jean-Luc Lagarce impõe rigor e simplicidade para a sua representação. O espetáculo tem como foco o trabalho dos atores e uma relação de intimidade entre a cena e o público. Os principais alicerces da montagem são os elementos teatrais básicos: texto, ator e espectador. O grupo optou por encenar a tradução para português de Portugal no intuito de que o sotaque brasileiro para a palavra portuguesa se configure como um estilo de linguagem que reforça o jogo teatral estabelecido pelo despojamento cenográfico.


Memória Afetiva de um amor esquecido – (2008)

A trama do espetáculo discute a superficialidade e a futilidade das relações deste nosso estranho mundo pós-moderno, no qual as pessoas sentem medo de se envolverem e de sofrerem, buscando apenas o prazer nos relacionamentos, o fugaz, o momentâneo. Um mundo que parece oferecer ao indivíduo a ilusão da segurança do controle sobre o seu destino e do conforto de uma vida sem percalços: emagrecimento instantâneo, transformação estética sem esforço, filhos sem gestação, genética planejada, mudança de sexo, amor via Internet, antidepressivos, prazer imediato, lazer sedentário etc.

O texto conta a história de um jovem (Saulo Rodrigues) que, deprimido por não conseguir suportar o rompimento de uma relação amorosa, procura uma clínica especializada em soluções instantâneas, para apagar da memória sua ex-namorada (Cristina Flores). Conectado a um computador por um médico (José Karini) e sua assistente (Ângela Câmara), ele mergulha em suas fantasias inconscientes.


Visite o site: http://www.osdezequilibrados.com.br/

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